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Fair Trade como estratégia competitiva

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    sarasspigariol
  • 8 de ago. de 2022
  • 9 min de leitura

Atualizado: 30 de ago. de 2022

Como o movimento do Fair Trade (“Comércio Justo”) pode ser uma estratégia válida e eficiente para a captação de novas oportunidades de mercado e êxito concorrencial no comércio internacional.



A globalização na perspectiva do comércio internacional e sustentabilidade


Não é novidade que com a globalização e efeitos expressivos nas últimas décadas no comércio internacional houve um processo intenso de degradação da natureza. Isso tem levado nos últimos anos uma preocupação com preservação do meio ambiente - um dos pilares do ESG (environmental, social, and corporate governance).


Assim, a conscientização ambiental vê-se reforçada pelo alcance das redes sociais - próprias do capitalismo e dos efeitos da globalização - porquanto passaram a possuir o poder de influenciar comportamentos e mudanças sociais e econômicas.


"Diante disso, as organizações voltadas para a preservação ambiental estão utilizando-as para aproximar a sociedade da situação atual do planeta, veiculando diversos tipos de dados, ou seja, imagem, texto, áudio e vídeo, e captando a atenção das autoridades para que medidas [efetivas de proteção] sejam realizadas. Tem-se denominado esse fenômeno como ciberativismo ambiental" (MATSUMI; YOSHIDA, 2018, p. 187).

Sob tal contexto, o tópico de desenvolvimento sustentável vem se tornando uma discussão necessária em comércio internacional. Orientado por necessidades globais de preservação ao meio ambiente e que convergem com o crescimento econômico, as novas dinâmicas negociais e as necessidades sociais surgidas pelos efeitos da globalização e do capitalismo passaram a ser discutidas em conjunto.



Globalização e desenvolvimento sustentável no Comércio Internacional

Foi posteriormente à II Guerra Mundial que o capitalismo começou a se mostrar mais organizado e, apesar de ter se desenvolvido localmente em cada Estado, continuou para além das fronteiras, em busca de novas dimensões produtivas. A complexidade das relações internacionais começou a indicar que o tratamento dos problemas transcendia as fronteiras dos Estados, exigindo compreensão de fatores vinculados a outras áreas, como a política e a economia (PORTELA, 2019, p. 32).


Dessa maneira, os Estados passaram a articular ações conjuntas referentes aos temas de interesse internacional, formando esquemas de cooperação, compostos por marcos legais consagrados em tratados ou por organizações internacionais, tendo em vista que “a cooperação internacional permite regular a administração de áreas que não pertencem a nenhum Estado e que são do interesse de toda a humanidade” (PORTELA, 2019, p. 45).


Diante da expansão do modelo industrial de produção, surgiu no século XX a sociedade de consumo, ao promover “padrões de compra massificados e campanhas agressivas de marketing”. Essas estratégias instigaram o consumismo e geraram impactos sociais e ambientais, problematizando, posteriormente, os atuais padrões de consumo (MASCARENHAS; GONÇALVES, 2016, p. 120).


Assim, surgiu-se o tema ‘sustentabilidade e desenvolvimento sustentável', em que questões ambientais passaram a influenciar e integrar o âmbito das empresas, tendo como objetivo harmonizar o crescimento econômico com a proteção ambiental, de maneira conexa relativa à integração entre indivíduos e recursos naturais, para que gerações atuais e futuras consigam conviver em equilíbrio dinâmico.


Contudo, para atingir tal objetivo torna-se relevante e necessária a cooperação internacional, uma vez que a capacidade dos Estados de promover políticas ambientais acaba por ser restrita e insuficiente. Frente à necessidade em nível internacional de proteção ambiental, iniciaram-se acordos multilaterais e Conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em proteção ao meio ambiente (BONNOMI, 2019, p. 30).


Logo, diante da situação na qual a preocupação ambiental passou a ser de interesse e de pauta mundial – e não mais um assunto restrito e local de cada Estado – passou-se a ser tratado como Direito Internacional do Meio Ambiente.


A Conferência das Nações Unidas em Estocolmo (1972) marcou o início da conscientização global sobre o meio ambiente, debatendo-se, além de outros assuntos, a relação entre sustentabilidade e atuação empresarial.


Desde então iniciou-se um cenário de articulação dos movimentos sociais, no qual emergiu o Fair Trade, trazendo um conceito global de desenvolvimento sustentável atrelado ao comércio.



Agora sim: O Fair Trade


O Fair Trade ampara-se em princípios de promoção à sustentabilidade, tanto em questões humanas, culturais quanto ambientais, e de valores humanistas universais – em razão de sua origem de direito transnacional – como:

  • Criação de oportunidades para produtores economicamente desfavorecidos;

  • Transparência e responsabilidade: a partir de condições justas de produção, a partir de transparência na negociação entre as partes na formação do preço justo;

  • Práticas comerciais justas, estáveis, duradouras, em respeito ao bem-estar social, ambiental e econômico de pequenos produtores;

  • Pagamento de um preço justo pelo trabalho dos produtores, sem desigualdade de gêneros;

  • Solidariedade e integração entre os elos da cadeia produtiva: como práticas de cooperação entre os empreendimentos, cadeias e arranjos produtivos transparentes, justas e solidárias nas relações e contratos; e,

  • Respeito pelo meio ambiente: de reflexão contínua e com prática de sensibilização entre os consumidores.

O Fair Trade entende o cenário do capitalismo e globalização internacional, no qual:


1. O comércio internacional, em meio às atividades humanas, exerce grande impacto sobre o meio ambiente, o que exige regulamentação internacional quanto à matéria;


2. As negociações internacionais e a aplicação de normas ambientais internacionais entram, muitas vezes, em conflito com os interesses do proclamado crescimento econômico; e


3. O comércio internacional é de grande importância para a (re)distribuição de riqueza do mundo, influenciando, inclusive, o sistema jurídico.


"O bom desenvolvimento do comércio internacional também se relaciona com o respeito a padrões ambientais mínimos, que podem não só preservar o meio ambiente como também evitar a concorrência predatória de países que não observam tais parâmetros e que, com isso, reduzem custos e ganham espaço no mercado internacional" (PORTELA, 2019, p. 536).

Assim, o Fair Trade propõe que os ordenamentos estatais devem disciplinar a ação da sociedade que, apesar de voltada para o consumo, deve prezar pelo bem-estar social e pela justiça em toda a cadeia de comercialização (STELZER, 2018, p. 142). Emerge, portanto, um dilema entre a necessidade de preservação do meio ambiente e as pressões existentes por liberalização de mercado e por crescimento econômico exponencial. O Comércio Justo surge enquanto alternativa para equilibrar tais variáveis.


Ou seja, o objetivo do Fair Trade é demonstrar no âmbito do comércio internacional a importância da questão ambiental para a concretização do desenvolvimento sustentável, a fim de que seja possível atingir, tanto quanto possível, a harmonização entre o desenvolvimento econômico, a concretização de direitos sociais e o equilíbrio ambiental (STELZER, 2018).


Propõe-se, dessa forma, um modelo econômico centrado no ser humano para melhoria de qualidade de vida, pagando-se um valor justo ao produtor, ou seja, um valor que garanta dignidade humana.



E o Brasil?

O Fair Trade surge, também, como um movimento de empoderamento aos países menos desenvolvidos e aos pequenos produtores.


Esse movimento de Comércio Justo e de economia solidária tornou-se bastante dinâmico na América Latina nas últimas décadas, contribuindo para ressignificar o conceito tradicional de Comércio Justo no continente americano, contando já com o apoio de organizações internacionais, como a Associação Latino-americana de Integração (ALADI), representando 13 países membros (GUERRA, 2016, p. 249).


Com relação ao Brasil, ao observar as crises ocorridas de 1980 até 2000, em que pese tenha se beneficiado com o processo de abertura comercial, tornou-se vulnerável às questões e crises internacionais, tanto quanto os demais países, em razão de seu papel na economia globalizada


Em seguida, no ano de 2010, concretizou-se no Brasil a influência dos movimentos sociais e ambientais com o Decreto n. 7.358/2010, que instituiu o Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário e criou a sua Comissão Gestora Nacional. Contudo, tais medidas foram ineficazes, não tendo força para sair do papel.


Ainda assim, o Brasil tem possibilidade de, a longo prazo, acompanhar os movimentos de sustentabilidade, na medida em que possui riquezas ambientais a serem protegidas, bem como “amplo mercado interno de produção e consumo a ser desenvolvido mediante a manutenção de parceiros comerciais e fortificados” (GONÇALVES; STELZER, 2013, p. 9-10). Trata-se de um dos maiores diferenciais pátrios diante do comércio global.


Enquanto isso, no âmbito internacional o Fair Trade continua a alavancar efetivas e promissoras ações empresariais alternativas, gerando um movimento de crescente consciência ética, de responsabilidade ambiental e de cultura de empreendedorismo solidário no comércio internacional.



Concorrência: Um mercado agressivo


Com a abertura da economia, o aumento da competitividade e a maior conscientização dos consumidores, as questões ambientais assumiram uma importância cada vez maior (VIZZOTTO, 2014, p. 63). Em que pese o prisma do fator econômico, emerge uma economia saudável e responsável para que seja possível a geração de igualdades sociais e o pleno desenvolvimento sustentável (FERREIRA, 2018, p. 234).


É clarividente que a importância da concorrência vem à medida que ela assegura a abertura e o livre comércio, protege os consumidores e, também, prevê condutas que impedem a concorrência não saudável - inclusive evitando a maximização ou preponderância de atores com maior poderio econômico.


Para enfrentar os desafios da competição global, as estratégias das empresas devem conjugar metas de êxito econômico com responsabilidade socioambiental, inclusive na perspectiva de otimizar sua imagem perante o público consumidor (MENDES, 2018, p. 30). Parte-se, dessa forma, de uma concorrência como fundamento da economia de mercado e impulsionadora da competição (de maneira sadia), direito esse que ampara a economia para que se mantenha em níveis razoáveis e que impeça a concorrência predatória, alinhando-se, assim, aos princípios do Fair Trade.


Nessa lógica, gestões e estratégias de negócios devem seguir o conceito triple bottom line da sustentabilidade, ou seja, considerar as dimensões social, econômica e ambiental, a fim de que sejam criados valores em todas as três esferas, priorizando o desenvolvimento sustentável e diminuindo os danos resultantes da atividade empresarial.


Dessa forma, o Fair Trade – que já se apresentava como assunto de grande interesse nos anos 2000-2009 no campo dos negócios e da economia no cenário internacional (CANTALICE et al, 2010) – emergiu como movimento criador de mercado e, por conseguinte, de competitividade, uma vez que permitiu maior visibilidade àqueles que aderem aos seus princípios, a exemplo da preservação ambiental e que vem a servir como um diferencial competitivo.


Isso porque, o comprometimento com a sustentabilidade gera e agrega valor aos produtos, tanto valores econômicos como valores éticos. Inicialmente, lembra-se que a própria natureza da atividade empresarial objetiva o lucro, estando, assim, intimamente ligada à noção econômica. Contudo, quando alinhada às noções de sustentabilidade, a empresa passa a caminhar para um capitalismo mais inclusivo e que contribui para a abertura e crescimento em novos mercados:


No cenário do Fair Trade, por exemplo, bens que sejam produzidos dentro de um contexto em que as normas de proteção ambiental são cumpridas podem receber certificações – que asseguram a imagem de responsabilidade social da empresa – auferindo, assim, vantagens de concorrência no comércio internacional, pois empresas acabam desfrutando de valores éticos quando operam com níveis mais amplos de transparência e responsabilidade, intensificando, então, a sua reputação e legitimidade:


O Fair Trade, então, deixa de ser apenas um movimento social e passa a ser nicho de mercado de forte potencial comercial, alterando regras e práticas do comércio internacional, como também todo o conjunto da economia. É nesse sentido que empresas brasileiras devem demonstrar preocupações ambientais e investir em melhorias.


Apesar de instabilidades políticas e muitas vezes econômicas - justificadas muitas vezes por traços e heranças culturais - o Brasil é um dos países mais atraentes para investimento estrangeiros no futuro, e também se destaca por ser a maior fonte desses recursos desde as últimas décadas, demonstrando potencial no comércio internacional ao adotar mecanismos de governança global e medidas confluentes com o movimento do Fair Trade.


Tudo isso ainda anda em consonância com as novas dinâmicas e perfis de consumidores, pois diante das novas tecnologias de comunicação e informação trazidas pela globalização, “a conscientização ambiental passa a ser difundida com maior amplitude, viabilizando os debates e ações” (MATSUMI; YOSHIDA, 2018, p. 193). Assim, já se verifica mudança de comportamento do consumidor como agente de transformação social.


Tendo em vista maior conscientização e mudança nos padrões de consumo, cabem às organizações práticas de redução de danos ambientais que, como consequência, podem criar um diferencial competitivo no mercado internacional. Isso faz do Fair Trade um aliado para o processo de conscientização, embora não se confunda, em absoluto, com a responsabilidade socioambiental empresarial. De forma paralela, acompanha-se não somente a conscientização dos consumidores, mas, a emergência de uma nova cultura de consumo.


Ou seja,


Nas últimas décadas, as questões ambientais continuam despertando a atenção de diversos setores da sociedade. Com a abertura da economia, o aumento da competitividade e a maior conscientização dos consumidores, as questões ambientais assumiram uma importância cada vez maior. A busca por maior preservação ambiental passou a ser constante no planejamento das pessoas e das organizações.


A preocupação com o meio ambiente é bastante divulgada e os consumidores têm se mostrado mais críticos e bem mais informados, exigindo das empresas um comprometimento. A adoção do movimento do Fair Trade, como alternativa ao binômio comércio e meio ambiente, igualmente se revelou um mecanismo propulsor da atração de investimentos, inclusive no Brasil, a fim de proporcionar vantagem competitiva na concorrência do comércio internacional.


Isso porque, toda essa situação gerou uma grande demanda por produtos ecologicamente corretos, de maneira que a adoção de políticas de proteção ambiental e de princípios alinhados ao Fair Trade pode trazer um diferencial competitivo para as organizações. Dessa forma, valores econômicos e éticos são gerados quando da observância da sustentabilidade, pois estão atrelados à forma transparente em que o produto é gerenciado e é inserido no mercado.


Isso demonstra que a empresa prioriza o desenvolvimento de soluções economicamente interessantes para os problemas sociais e ambientais.


Os valores éticos gerados pela exigência da sustentabilidade são vislumbrados por meio de empresas que dão conta da importância do engajamento sustentável para satisfazer as necessidades presentes e futuras, oportunizando uma efetiva construção de modelo de produção socioambiental saudável e economicamente viável. O número de empresas que acordaram para essa emergente realidade social e ambiental é crescente, na qual a visão capitalista de maximização dos lucros continua sendo conservada, mas, sem colocar em risco a qualidade do meio ambiente e do convívio social.


O Fair Trade revela-se importante fenômeno que repercute na responsabilidade socioambiental das empresas que desejam obter vantagem competitiva no comércio internacional. Isso significa estar em consonância com os vetores da responsabilidade social: valores, transparência e governança, público interno, meio ambiente, fornecedores, consumidores/clientes, comunidade, governo e sociedade.


Empresas nacionais competitivas são exigidas a primar pela sustentabilidade, norteando-se pelos critérios da eficiência econômica, equidade social, prudência ambiental e ainda cumprir com sua função social, de maneira a atrair clientes fiéis, fortalecendo mercado interno e gerando vantagem competitiva em âmbito internacional.


Portanto, a adoção do Fair Trade, em especial no Brasil, revela-se potencialmente capaz de promover desenvolvimento sustentável, ao compatibilizar a preservação ambiental com o progresso nacional que já se prova como diferencial competitivo no comércio internacional, evidenciando que o viés econômico do capitalismo pode ser harmonizado com o equilíbrio ambiental e a concretização de direitos sociais para a construção uma sociedade livre, justa e solidária.

*Encontre esse artigo na sua versão completa publicada em: https://www.unirios.edu.br/revistarios/internas/conteudo/resumo.php?id=569 (Edição 2020.2 - n. 28 / Revista Científica do UniRios · 1 de jul de 2020).



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